top of page
  • Alexandra Mettrau

LÁGRIMAS NA TERRA, FESTA NO CÉU

Atualizado: 29 de abr. de 2023


Muito tempo passou desde a última vez que te vi. Foi rápido, nem deu para matar direito as saudades. Agora, antes que eu pudesse te ver de novo, você se foi. Foi para o lado bom e luminoso da vida: o outro. Aquele que a gente tem que morrer para poder chegar. Aquele que toda a noite visitamos sem lembrar e sem poder ficar. Agora, só vou poder te encontrar de novo quando eu também me for. Eu sei que posso falar com você a qualquer momento, sei que você vai me ouvir, mas tenho que aprender a falar o idioma deste seu novo país. Ou melhor, tenho que lembrar, pois, eu também vim daí, só não recordo. Eu também visito este país toda noite, só não lembro. Eu também já entendi e falei a língua das estrelas, mas esqueci. Você lembrou quando partiu? Chegou já poliglota e “local”, encantando a todos, como fazia aqui? Já esqueceu o idioma do lado de cá? Viu quantas pessoas foram celebrar sua chegada? Espero que sim. Se ainda não, faz o seguinte: fecha os olhos, eles já não enxergam; tapa os ouvidos, eles já não ouvem; aquieta os membros, desliga os sentidos, eles já não servem. Se despoja do que te prende, do que te aperta, do que não te cabe mais. Solta a garganta e deixa sair o grito mudo de tuas entranhas, o que está preso desde que aqui chegaste, que conta de onde vieste e para onde agora voltaste. Deixa só o teu coração falar, deixa que ele cresça e te mostre onde estás e quem veio te receber e festejar contigo tua volta. O coração que já não bate, mas canta. Você ouve o seu próprio canto? Ouça. O canto da liberdade, da realização, do dever bem cumprido. Dos frutos que plantaste e cultivaste e que agora podes entregar.


Choro. Não porque te foste, mas porque não te vi antes que partiste e sinto tua ausência. É estranho, mas a ausência é muito mais presente do que a própria presença. É um espaço vazio que envolve e aperta. Mas é também um espaço que se apresenta para ser preenchido. Há os que o enchem de pesar e arrependimentos. Há os que o afogam em lágrimas de dor e saudades. Há os que o enfeitam com memórias felizes. Eu quero preenchê-lo de possibilidades. Possibilidades de estar contigo no que você precisar. Não na minha saudade, não na minha dor, nem nos meus arrependimentos, mas na certeza de que, enquanto aqui vivias, aproveitamos o tempo que tivemos juntos. Nem mais, nem menos. Fomos os amigos que quisemos ser e isto nos engrandeceu. Agora, essa amizade é o que preenche a ausência, pois nunca de fato estaremos longe, como nunca de fato estivemos. Não é este espaço físico, limitado, que te define. Nunca foi. É justo o oposto: ele é a expressão de ti. Expressão que já não te cabe e na qual não mais te encontrarei, pois estás nas estrelas, das quais temporariamente te afastaste, mas que nunca se afastaram de ti. Agora, para te encontrar, buscarei o céu. Lá eu te verei, sempre que eu te buscar. E para lá dirigirei as perguntas e respostas da nossa eterna conversa. Volta-te para lá, contempla quem há muito te esperava. Mostra os frutos das tuas realizações, entrega o brilho que produziste para enriquecer o firmamento e se deixa conduzir de volta, para onde fixarás tua estrela e de onde ela reluzirá sobre nós, que ainda ficaremos um pouco mais, e sobre tudo e todos que vierem depois de nós.


Descansa no aconchego dos que te amam e que, ansiosos e jubilosos, aguardavam tua chegada. Confia que os que aqui deixaste aprenderam contigo a ser e serão o melhor que puderem, em honra de ti.


Sê o vento, sê o mar, sê a montanha e o calor do sol; a leve brisa e a forte tempestade; vales, rios, areias, lágrimas; o fogo da lareira e o incêndio devastador; o cálido alento de um beijo e o doce afago nos cabelos. Sê tudo o que agora és, sempre foste e sempre serás. Infinito e eterno.


Vá em paz, meu querido amigo.


Com amor,


Xanda


para Milton - 17/7/1971 - 9/11/2022

para Luba - 15/5/1940 - 5/11/2022


De repente, morreu: que é quando um homem vem inteiro pronto de suas próprias profundezas. Morreu, com modéstia. Se passou para o lado claro, fora e acima de suave ramerrão e terríveis balbúrdias.


Mas - o que é um pormenor de ausência. Faz diferença? “Choras os que não devias chorar. O homem desperto nem pelos mortos nem pelos vivos se enluta" - Krishna instrui Arjuna, no Bhágavad Gita. A gente morre é para provar que viveu. Só o epitáfio é fórmula lapidar. Elogio que vale, em si, perfeito único, sumário:


MILTON OZÓRIO MORAIS.


MACIEJ LUBA.


Alegremo-nos, suspensas ingentes lâmpadas. E: "Sobe a luz sobre o justo e dá-se ao teso coração alegria!" - desfere então o salmo. As pessoas não morrem, ficam encantadas.” João Guimarães Rosa - Discurso de Posse na ABL


IMAGEM: Ressurreição de Cristo - Rembrandt


76 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Não perca os novos textos!

Obrigada por se inscrever!

Siga-me no Instagram

  • Facebook
  • Instagram
Nenhum tag.

POST ARCHIVE

bottom of page